terça-feira, 4 de outubro de 2011
O Sonho - Parte Final
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
o sonho
Acordo sobressaltado. Olho ao redor. Tudo no lugar. A velha cômoda de mamãe com suas gavetas de mogno. O abajur branco com seu velho botão que insistia em se soltar. O armário de madeira cheirando a velho. A porta logo a frente da cama que dava direto pra suíte da nossa cama de casal. Tudo no lugar. Não tem motivo pra se sobressaltar. Só um pesadelo. Desses que te deixam sem saber direito o que é real e o que é sonho. Olho pro lado. Ela dorme tranqüila fazendo aquele barulho de motor velho. O mesmo há mais de quinze anos. Está virada pra parede, de costas pra mim de forma que só poso divisar seus cabelos negros, um ombro sob a camisola branca e os lençóis ocultando suas formas. Já foram menos generosas. Olho pra ela. Dou um suspiro e me preparo pra voltar a dormir um sono mais tranqüilo. Está tudo no lugar, afinal. Mas espera. E aquele vulto logo lá? Num cantinho, bem perto da fresta da porta. Encolhido. Escondidinho esperando que ninguém notasse. Só esperando que eu voltasse ao meu sono pra poder se esgueirar devagarzinho até a cabeceira da cama. E me apertar com aquelas mãozinhas verdes cheias de garras. Sim porque ele tem garras. E é verde. Dá pra ver daqui daonde estou.
Levanto de supetão. Procuro tremulo a arma na gaveta da cômoda. Que deveria estar no lugar também. Mas não está. Só vejo um buraco escuro quando abro a gaveta. E uma outra mãozinha asquerosa sai de dentro dela.Me arranha com força. O sangue jorra com vontade. Eu grito. Meu amor acorda de seu sono de pedra. Finalmente. O barulho de motor pára um instante. Só pra depois voltar. Mais alto do que nunca. Ela se levanta. Ainda sem olhar pra mim. Só vejo os cabelos negros. Voando livres com o vento que entra pela janela escancarada agora. Ela se volta pra mim. Sua face distorcida revela uma besta que mais lembra uma tartaruga, com olhos amarelos de cobra. Ela escancara a bocarra pra mim. Volta a dormir, bem. Foi só um sonho ruim.
Acordo assustado. Não compreendo como consegui dormir encharcado como estava. OS cabelos pingando no rosto não deixam colocar meus óculos sem que deslizem pelas minhas faces. Olho pro lado com medo. Meu amor não está lá. Levantou mais cedo pra trabalhar. Como de costume. O bom de ser um escritor é que não preciso ter um horário regrado pra bater o ponto toda manhã. Gostaria de vê-la Quanta bobagem, não é verdade? Minha amada transformada num monstro horrendo. Monstros no meu quarto. Um sonho de garotinho. Talvez deva escrever sobre isso mais tarde. Melhor anotar pra não esquecer. Pronto. Me levanto pra um café. Ela sempre deixa uma garrafa cheia pra mim. Sabe que eu sou movido a café. Antes de sair do quarto uma leve desconfiança. Pode ser coisa da minha cabeça. Mas dá pra ver um leve arranhãozinho na quina do armário. Bem onde eu andei sonhando com a mãozinha verde e pegajosa e cheia de garras. Doideira. Volto pra perto da cabeceira. Abro a gaveta de cima. Só pra ter certeza. A arma não está lá.
Que diabo? Será que ela escondeu? Vendeu, sei lá? Ela jura de pé junto que vai fazer isso desde que comprei o Colt há mais de quatro anos. A vizinhança anda muito insegura ultimamente. Eu tenho uma boa noção de tiro. Sou policial civil aposentado. Não representa perigo algum, é pra nossa segurança, eu digo a ela. Mas ela me escuta? Nunca. Deve ter vendido. Desgraçada. Sem nem me avisar. Vamos ter uma briga boa quando ela voltar pra casa do trabalho de escritório no centro.
Sento pro café. Ligo a teve da cozinha descansado, só pra ver as noticias da manha. Monstros. Aparentemente, pequenas figurinhas verdes correm pela cidade destruindo tudo que encontram pela frente. Meu coração dispara. A arma. Se ao menos tivesse a maldita arma ainda. Poderia me proteger. Deles. Uma sombra passa pela janela. Meu coração congelado me faz parar onde estou. Quieto. Talvez eles não me vejam. Tarde demais. Uma delas anda em minha direção. Escorregando pela janela. Olhinhos de cobra fixos em mim. Abre um sorrisinho nojento liberando um hálito de morte que faz minha nuca gelar. Devagar agora. Devagar. Corro para a sala desesperado. Tarde demais ele avança em minha orelha. Mordendo com força e lambendo. Como se a língua se esticasse até chegar as profundezas do meu cérebro. Um beijo longo, molhado e...
O despertador vibra em cima da cabeceira. Está no mesmo lugar de sempre.Ela está ao meu lado. O cheiro fresco como a manhã. Beijando minha orelha com carinho. Esta um pouco atrasada, mas não se importa. Você esteve gemendo a noite toda, o que você andou sonhando, ela pergunta. Nada que possa me lembrar. Só algo com coisinhas verdes e a arma e...a arma. Abro a gaveta de repente. Ela se assusta. Já pedi pra se livrar dessa coisa. Por que é que você não me escuta? A arma está lá. Graças a Deus. Não sei por que. Só no caso de precisar. Vai que alguma coisa verde resolve aparecer na casa e...
Ela se levanta pra se arrumar. Vou atrás dela. Vou fazer o café hoje só pra fazê-la contente. Ligo o rádio. Está tocando nossa música favorita. Boto duas fatias de pão pra torrar. Começo a esquentar o leite. Enquanto ela toma banho resolvo ir lá fora pra olhar direito pro céu azul e o sol quente que anuncia o verão chegando pela nossa varanda. Mas. Onde esta o sol? No lugar dele um olho imenso de cobra me espia pelos céus. Tento me esconder dele mas não consigo. Saio desembestado pelas escadas do prédio. Ainda de pijamas. Não importa. Tenho que ver lá de baixo essa coisa bizarra que esta acontecendo no mundo. As pessoas na rua não parecem ter percebido anda de anormal. O velho porteiro acena com a cabeça quando passo. A velha do sete já voltou com a sacola cheia d e pães do mercado ao lado. Bom dia. O que tem de bom. Você não viu esse olho? Não tá vendo esse olho de cobra no céu? Qual o problema com vocês todos? Vocês não percebem que...que...
É um sonho. É lógico. É a única explicação. Ainda estou dormindo na minha cama. O despertador ainda nem tocou. Eu devo ter bebido demais na noite anterior. E comido também, por falar nisso. E ainda estou ali. Na minha cama. Ela deve estar dormindo do meu lado. Isso explica esse som de motor velho que não sai da minha cabeça; E começa a ficar mais e mais alto a medida que me dou conta de sua existência irritante.
CONTINUA...